segunda-feira, 2 de junho de 2014

Câmara Lenta

Ali está ela descontraída, distraída a indagar-se se leva mamão ou papaia para a salada de fruta na confusão habitual do hipermercado que costuma frequentar. Sente um vulto a seu lado e desvia o olhar nessa direcção. Mas o gesto reflexo que deveria ter demorado milésimos de segundos ficou suspenso no tempo porque ali está ele, estupefacto, a olhar para ela.

O barulho cessa, a movimentação à sua volta extingue-se, durante segundos(?), minutos(?) só existem eles os dois numa dimensão paralela.

Ela de vestido preto e ele de camisa branca, metáforas mefistofélicas do passado, estão lado-a-lado, tão perto, que se quisessem, podiam tocar-se.

Pela primeira vez em quase dez anos ela não lhe facilita a vida e não finge não o ver e ele não incorre numa fuga ávida e desajeitada.

Não, ainda estão a perscrutar o rosto um do outro. Ele está mais bonito do que ela se lembrava. Aqueles olhos sempre foram tão verdes, tão grandes, tão brilhantes? Não há dúvida nenhuma que este homem é encantador a todos os níveis. Ainda mais, se possível, do que se lembrava.

Uma criança chama incessantemente pelo pai, o momento passa, voltam as vozes, as pessoas e o presente.
Eles?
Eles seguem os seus caminhos sem trocar uma palavra. Não precisam. Ele de mão dada com a filha e ela de coração tranquilo com a vernácula sensação que fez as opções correctas.

Desculpem, não vos contei o que pensou ele? Não é porém evidente?

Ela foi o grande amor da vida dele.

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