sexta-feira, 4 de abril de 2014

A Anunciação

Planos. Ora aí estava algo que ela já sabia ser difícil definir. Ter que colocar alguns no baú por tempo indeterminado pesa na alma e, sobretudo, pesa no ego.

As oscilações de humor entre a doçura e o azedo, entre a sensibilidade extrema e a impaciência biliar estavam a desgastá-la. Não se manuseiam sentimentos com a mesma agilidade que um malabarista atira bolas ao ar sem as deixar cair.
Hummmm afinal não tinha a coluna vertebral que pensava ter, afinal não tinha a inteligência emocional de que sempre gozara, afinal era só mais uma mulher frágil, como tantas outras.

Era tudo tão recente. Lembrava-se recorrentemente da primeira desconfiança, do primeiro teste, do primeiro susto, da primeira dúvida, do primeiro medo, da primeira escolha, da primeira incerteza, da segunda, da terceira, et cacetera cacetera…

Desassossego. Quando a vida começa a girar em torno de algo que pode não existir mas cuja existência a poderá fazer mudar para sempre. Será um estado de transe? O processo acção-reacção já não é tão linear, torna-se quase catatónico…

Sim, é aflição que lhe espelham os olhos. Terá tomado uma decisão? Há decisões para as quais não se pode simplesmente preencher uma tabela com os prós e os contras de cada alternativa e escolher a mais favorável. O que é uma pena, convenhamos.

Fé. O que raio é a fé? Não, não é esperança, nem acreditar, nem outro sinónimo qualquer dos anteriores. Já tive eloquência suficiente no meu vocabulário para a definir, devo-a ter perdido. A eloquência, não a fé, note-se.

Ela, pobre coitada, mulher de pouca fé, esqueceu-se que nem todas as decisões devem ser solitárias. O descontrolo hormonal justifica muita coisa.

Destino. Haverá um Deus que além de Todo-O-Poderoso gosta de brincar às marionetas nos seus tempos livres? As linhas das mãos revelam o nº de filhos, a longevidade na vida ou o sucesso na carreira? Não tenho audácia que chegue para acreditar nestas teorias da conspiração.


Voltemos a ela. Antes que pudesse tomar as rédeas da sua vida e sentenciar o fado de outros eis que decidem por ela. Ironia, ironia, ironia! Sofre com algo que nem sequer sabia se queria ou se não queria.

As mulheres são difíceis de entender. 
Algumas mais do que outras. 
Algumas circunstâncias são mais extremas que outras. 


A Anunciação, Leonardo Da Vinci

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